sexta-feira. sexta de uma semana cansada. teve de tudo um pouco. nos 45 do segundo tempo mariana me chama para assistir a um espetáculo de uma galera que, segundo ela está bombando na internet. que é muito, muito bom. ok. mesmo exausta, depois de ter acordado às seis, enfrentado um fórum por quase duas horas, viajem bate-volta ao rio, engarrafamento de duas horas na perimetral, fui. vamos ver se esse tal teatro mágico é mesmo mágico. sou uma mulher muito cética atualmente. será que cética é a palavra certa? deixa pra lá. chegamos faltando 5 minutos pra começar e, quando entrei na sala, surpresa! teatro lotado. lotado tipo gente em pé aonde ainda havia espaço. eles atrasaram. fiquei irritada. não gostei. começou. olha aqui, me entra em cena um cara todo, todo vestido. travestido. montado. não sei explicar o que. não era fantasiado. ele estava ... reticências. despeja um texto lindo. mas o faz rápido demais. se desse apertava replay pra assimilar o que ele falou. precisa ser mais devagar. tudo bem. eles começam com a música. o negócio começa a tomar jeito. na metade da primeira canção eu já estava batendo palmas, levantando os braços. você naõ está entendendo. primeiro que, o vocalista guitarrista poeta é uma persona. um caso totalmente à parte nesta história toda. quando você olha para ele e sua roupa e seu rosto pintado você sabe de cara que não, não é um palhaço. não. não é um clown. não. é uma persona. tipo, ele pegou o que tem dentro dele coloriu, colocou pra fora. sacou? deu naquilo. uma figura que me remeteu à minha infância e meus livros de estórias e meus decalques e meus livros para colorir. um boneco. um boneco falante em forma de gente. pra completar ele conta que, tudo ali começou depois de uma leitura de herman hesse. aí eu: uau uau uau. você sabe o que é isso? eu sei. cantou mais. com um sotaque de nortista que torna tudo muito mais poético e forte. porque será que eu acho que poesia com sotaque nortista é mais envolvente, forte? sangue de pernambuco nas veias babe. tem todo o resto. que não é resto é o todo. tudo é lindo. a bailarina que é acrobata e se enrola e desenrola naqueles tecidos pendurados no teto e naõ tem medo de cair porque boneca de pano não quebra nem machuca. menina linda. tem também o rapaz que fica ali fazendo mímicas e acompanhando as canções com seus gestos grandes e delicados. o cara do baixo com seus dreadlocks que na contra luz o transformam na silhueta mais linda. teatro lotado. o vocalista tem o poder. tipo do cara que tem o dom. a palavra é bolinha de gude que ele rola nos dedos do jeito que quizer. e ganha. ganhou minhas lágrimas. várias vezes durante aquelas duas horas. elas pulavam dos meus olhos pra dançar. eu, aos 45 estava lá no auge dos meus 20. aos 20 me apaixonaria por ele. só não se apaixona quem já morreu e não sabe. acabou. dava pra recomeçar e tenho certeza que todos ficariam ali até o sol nascer porque festa boa é assim mesmo. mariana me levou pro foyeur do teatro. lá fora a mesma coisa: lotado. um grupo de meninas com o rosto pintado como o grupo esperavam por eles. mariana encontrou um espaço na escada caracol, sentamos e ficamos assistindo a um outro espetáculo: o sucesso deles. lentamente foi surgindo um por um ... não consigo deixar de olhar para eles como bonecos. daqueles que você tem o maior cuidado porque são raros então você deixa ali na prateleira o dia todo para olhar e à noite quando vai dormir, a última imagem que fica nos seus olhos são os bonecos raros na sua prateleira, sabe lá deus o que eles fazem enquanto você dorme. ok. viajei. muitos minutos depois sai ele, o cara. ele se chama fernando. avançam no fernando. foto foto foto foto foto. mariana chama, ele não escuta. coitado. ela chama chama chama. ela chama com a câmera acoplada aos olhos. ele olha pra ela e estende as mãos para mim. lá estão os olhos do fernando. claros. transparentes. digo simplesmente que há vinte anos não via nada como aquilo. os olhos dele se acendem. missão cumprida para mariana. presente dado e recebido por mim. voltei para casa com tudo aquilo guardado. ficou a imagem dos olhos do fernando. duas contas de vidro transparentes. como no livro de hesse, o jogo das contas de vidro que fernando chama para jogar. let's play!