na novela do seu manuel tem um casal jovem que estuda em amsterdã. não lembro o nome dos personagens mas os atores são muito fraquinhos ainda. só davam mesmo pra malhação. dia destes a menina grávida em diálogo com a leandra leal esqueceu de interpretar. decorou e jogou pra fora tipo decoreba de geografia. foi triste. enfim, estou escrevendo basicamente pelo tema que gira em torno deles. gravidez indesejada, inesperada, não programada. sou mãe de três filhos. minha mais velha está com 19. em 1986, exatamente no dia 24 de maio descobri que estava grávida dela. foi um susto. tremendo. daqueles. estava com 23, cursando jornalismo, trabalhando. enfim, fazendo tudo o que uma jovem mulher faz. o pai dela era um relacionamento de dois anos. não éramos namorados. mas estávamos juntos, saindo, transando, viajando a dois anos. e eu era apaixonada por ele. só transava com ele. primeiro porque me respeito muito e segundo porque era realmente apaixonada por ele. mas ele nem tanto. não queria assumir nada comigo. enfim, neste dia, 24 de maio saí da clínica com todos os sentimentos do mundo latejando em mim. morávamos no mesmo bairro e nesta noite fui esperá-lo na sua portaria. ele chegava do trabalho pedi para conversarmos e contei o que estava havendo. ele olhou nos meus olhos e disse que não tinha nada a ver com isto, que eu me virasse. desespero este era meu nome. dois dias depois ele me liga. vamos conversar novamente. diz que não quer ter filhos e toda a ladainha que acompanha este discurso nada criativo e bastante batido. na pressão ele diz que minha mãe iria me matar, que meu pai idem...me dá o telefone de uma clínica de abortos bastante conhecida lá no leblon. agendo. com minha alma amassada. não queria fazer aborto nenhum. não eu. não um filho meu. agendei. na véspera ele me liga. nem pergunta se eu gostaria que ele fosse junto. na véspera minha mãe e minha avó entram no meu quarto. sentam na beira da minha cama. uma à esquerda outra à direita. três mulheres. e elas dizem que sabem de tudo. as mulheres sempre sabem de tudo. a princípio o aborto era a única solução. minha mãe agenda em outro lugar. um aborteiro chic com tratamento vip em botafogo. vamos até à clínica. meu deus que eu me lembro exatamente da roupa que usava naquele dia. o médico (??) me leva pra sala, me deita na cama. o telefone toca uma vez. ele volta. o telefone toca outra vez. e eu rezo pra Maria minha mãe me ajudar e dar um jeito de me tirar de lá. o dr. continua ao telefone. minha mãe entra na sala e pergunta: " você tem certeza de que quer fazer isto filha? mas você sabe que ter um filho sozinha é duro? " respondi sem respirar: " sim mãe. me tira daqui." ela manda: " se veste. vamos embora agora." não foi preciso repetir. enquanto colocava meu camisão rosa com gaivotas brancas, o dr. entra e faz cara de espanto. voltamos à sala e e ele tenta nos convencer. não convenceu. noite do dia seguinte. ele telefona perguntando se já estava tudo certo. respondi que sim. que o certo era o meu jeito e que iria ter meu filho. ele grita. e eu o acalmo dizendo que não iria pedir nada a ele. aquela foi a última vez que nos falamos. sete meses depois, nasceu minha filha mariana hoje com 19 anos. minha maior vitória. a maior prova de que nós mulheres sempre sabemos tudo. só precisamos manter os olhos e o coração abertos.
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sim, eu sou a favor do aborto. mas sempre como uma opção da mulher. não como opção do namorado, marido, amante. que se consideram donos e proprietários do nosso corpo, das nossas vidas. só quem já entrou numa clínica de aborto sabe o que é. nenhuma mulher entra num lugar destes por que deseja. entra por necessidade. por desespero. entra por opção. e é sempre, sempre muito dolorido. e uma dor que nunca se apagará.
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sim, eu sou favor do aborto. legalizado. honesto e seguro. sempre.
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