quarta-feira, janeiro 11, 2006

XXIV

o que nós vemos das cousas são as cousas.
por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
por que é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos
se ver e ouvir são ver e ouvir?
o essencial é saber ver.
saber ver sem estar a pensar,
saber ver quando se vê
nem ver quando se pensa.
mas isso ( tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
isso exige um estudo profundo,
uma aprendizagem de desaprender
e uma sequestração na liberdade daquele convento
de que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
e as flores penitentes convictas de um só dia,
mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
nem as flores senão flores,
sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.
fernando pessoa - poesia completa de alberto caeiro.