quinta-feira, maio 31, 2007

hum mil e noventa e cinco. vinte e seis mil duzentos e oitenta. números. contagem de dias. contagem de horas. você não senta e fica lá, contando. você sente. eles se multiplicam. te contaminam. a exatamente três anos eu saia de casa com minha mãe, carregada no colo pelo leandro. arrumei, escovei os dentes, passei lavanda. íamos para o hospital. minha mãe entrou no hospital. quase nove da noite. eu acreditava que ia trazer minha mãe de volta para casa. ela deitada na cama. eu, sentada em um banquinho de madeira no corredor do hospital. ninguém acredita. eu não acreditava. de jeito nenhum. mães são imbatíveis. nada jamais as vencerá. nem mesmo a morte. ambulância. equipe médica. eles falam para você não compreender mas você sabe. logo, compreende. coração disparado. era medo.pavor. dor. falta. faltava tudo. absolutamente tudo. era o vazio. você já viu o vazio? eu já. o vazio é vazio. não é negro não é branco não é iluminado não é escuro não tem cheiro o vazio é tudo ao mesmo tempo em uma fração de segundos. por isso o coração dispara. é o vazio tomando conta. saí do quarto. muitas gentes. saí do quarto. minha mãe ficou ali. as horas passaram lentamente. lentamente. só para doer mais. eu sabia. mas não queria saber. fazia frio. como faz hoje. o médico me chamou e disse aquilo que sempre soube que um dia escutaria. sua mãe morreu. mais todo aquele discurso que os redime de toda e qualquer culpa. eles não são santos deuses entidades. são humanos. sim, eu esperava um milagre. minha mãe estava morta. morta. sem vida. minha mãe estava vazia. entrei no quarto com medo. com dor. agora era tudo. o tudo é tudo. turbilhão. tudo ao mesmo tempo. tudo é tudo. o vazio está dentro do tudo e o tudo está dentro do vazio. tal e qual uma camisa double-face. minha mãe morta. as mães não deveriam morrer. pelo menos as boas mães, claro. eu brigava com a minha mãe. nós nos dizíamos palavras tristes. nós muitas vezes nos odiávamos. nós muitas vezes desejávamos que a outra simplesmete sumisse. minha mãe era foda. fo-da. bipolar, maníaca-depressiva, doida, maluca. uma montanha-russa desgovernada. minha mãe era uma pica. no mal sentido. me beijava numa hora em outra ... well. minha mãe era tudo. exatamente como estava sendo o momento da sua morte. tudo. minha mãe foi embora. pegou a bolsinha dela e foi. ficou de saco cheio. se deu a este luxo. como quem entra em uma festa e lá pelas tantas, quando a festa já deu o que tinha que dar, simplesmente chama um táxi e ciao. estou escrevendo. não sei o que escrevi até aqui. dane-se. enfim, minha mãe está morta. minha mãe morta no caixão rodeada de flores de cheiro duvidoso. o perfume da morte. não adianta gritar. acorda mãe. sua desgraçada acorda. pára com esta brincadeira sem graça mãe. acorda porra. já deu. levanta daí. te odeio mãe. te amo mãe. e agora mãe. porra porra porra. levanta desta merda mãe. ela não ouve. não escuta. não entende. não compreende. quando fecharam minha mãe naquela caixa ridícula o tudo e o vazio tomaram conta de mim. minha mãe estava morta. minha mãe está morta. puta merda. porém, existe algo de muito interessante na morte da minha mãe. durante toda a sua vida comigo, minha mãe lutou para estar ao meu lado o tempo todo. o tempo todo. para meu desespero muitas vezes. finalmente ela conseguiu. na morte. porque ela agora está comigo o tempo todo. o tempo todo. no vazio e no tudo aonde ela se encontra, ela está comigo. enfim ...